sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Expressão gênica de transgenes em plantas e reações imunológicas em animais.

Do Boletim, Número 478, de 26 de fevereiro de 2010, POR UM BRASIL ECOLÓGICO,LIVRE DE TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS produzido pela ONG AS-PTA agricultura familiar e agroecologia.

Seminário Expressão gênica de transgenes em plantas e reações imunológicas em animais foi ministrado no dia 2 de fevereiro no auditório do Centro de Ciências Agrárias-CCA da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) pelo pesquisador norueguês Dr. Terje Traavik, do Centro de Biossegurança de Tromso, Noruega, o Genök. A temática foi a base científica do projeto de pesquisa em execução relacionado com a associação entre proteína Bt e respostas imunológicas em mamíferos. Trabalhos neste sentido vêm sendo conduzidos na Noruega e em outros países parceiros como a Zâmbia, China e agora o Brasil.

O Genök foi fundado em 1998 e é uma organização sem fins lucrativos, localizada no Parque de Ciências e na Universidade de Trömso, e é uma entidade reconhecida pelo governo norueguês como centro de competência na área de biossegurança. Os estudos do Genök sobre o milho Bt (milho transgênico que produz a toxina da bactéria Bacillus thuringensis) foram uma das fontes de dados para que o governo alemão decretasse moratória ao plantio do milho geneticamente modificado MON 810 em seu território.

Segundo o Dr. Traavik, a maioria dos pesquisadores e técnicos que avaliam os transgênicos assume que uma sequência de DNA que é transferida entre seres vivos vai expressar no organismo receptor a proteína da mesma forma que no organismo doador. No entanto, os aminoácidos e proteínas não existem na forma linear como descrito em livros: ao contrário, são tridimensionais e podem sofrer mudança de forma quando da transferência entre os seres. Caso a molécula apresente uma forma diferente no organismos transgênico daquela presente no organismo doador, pode ser gerada uma resposta imunológica.

A preocupação que conduziu às investigações que o Genök está realizando é que os seres humanos e os demais animais estarão cada vez mais expostos (ingestão ou inalação) a moléculas com as quais nunca tiveram contato. Exemplificando o problema, o gene da α-amilase foi transferido do feijão para a lentilha visando promover resistência a insetos, e essa transferência acabou gerando alteração no tamanho da cadeia de açúcares na molécula de proteína, o que produziu resposta imunológica em ratos. Este resultado foi suficiente para que o órgão de pesquisa estatal da Austrália paralisasse o projeto.

O Dr. Traavik ressaltou que reações imunológicas são fundamentais para o organismo e não devem ser encaradas como problemas. O problema está nas respostas imunológicas intensas -- as hipersensibilidades como as reações alérgicas (ex: asma) ou outras.

O objetivo do projeto do Genök é buscar evidências científicas nos vários países parceiros do estudo, coletando amostras de sangue, tecidos e órgãos de animais (mamíferos) que ocorrem nas cercanias das lavouras transgênicas e comparando com animais que ocorrem fora das citadas lavouras, mas expostos ao milho não transgênico. A ideia é avaliar a situação do ecossistema e não apenas fazer análises in vitro.

Será analisada a resposta do sistema imunológico dos animais através da produção de anticorpos contra as proteínas mais comuns dos milhos transgênicos. A presença de anticorpos no sangue dos animais demonstrará a existência de uma resposta imunológica à proteína transgênica.

Existem vários isotipos de anticorpos e estes se dividem em várias formas (ex: a imunoglobulina G tem 4 formas). Tanto os isotipos quanto às formas se diferenciam pelas suas propriedades biológicas, localizações funcionais e habilidade para lidar com diferentes antígenos. A análise dos diversos isotipos de anticorpos e suas diferentes formas permite também que se obtenha informações como se o organismo está exposto há pouco ou muito tempo ao agente alergênico e a indicação sobre se o organismo pode estar desenvolvendo algum tipo de doença.

Caso se confirme a contaminação e a provável ocorrência de reações imunológicas e doenças nos animais e seres humanos, a proposta será divulgar amplamente as informações e sugerir medidas aos governos de todo o mundo para monitorar mais intensamente as lavouras e produtos transgênicos, estabelecer uma moratória aos pedidos de introdução de novos OGMs e banir definitivamente aqueles que vêm causando problemas de saúde.

No Brasil, o Genök tem como parceira a Universidade Federal de Santa Catarina. Na primeira semana de fevereiro deste ano, com apoio da CIDASC (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina) e da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural e Santa Catarina), o pesquisador Traavik, juntamente com pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias e do Departamento de Biologia da UFSC, visitou uma região do meio oeste catarinense onde serão efetuadas coletas de sangue de animais silvestres através de uso de armadilhas espalhadas em áreas previamente determinadas. Se constatada a existência de anticorpos, posteriormente será efetuada nova amostragem de alguns animais para avaliação de anticorpos em diferentes órgãos. Para garantir a qualidade científica de todo esse trabalho e visando validar a constatação, a análise dos casos positivos (animais e humanos) será feita através de 3 métodos diferentes.

No Seminário na UFSC, o Dr. Traavik apresentou também diversas referências científicas de respostas imunológicas de diferentes animais à proteína Bt. Ressaltou que essas pesquisas foram feitas injetando a proteína Bt nativa (produzida pela bactéria) nos animais, e não a proteína que está presente no milho transgênico, que é diferente da nativa.

Comentou que nos Estados Unidos tem se observado um aumento considerável nas estatísticas de alergias e intolerâncias alimentares entre 1996 (ano inicial do cultivo comercial de transgênicos e seu consumo) até 2009. Também tem se observado um aumento na frequência de doenças crônicas. Mas não se pode assumir que esses problemas estejam ligados diretamente aos alimentos transgênicos. Para se chegar a uma conclusão dessa natureza é necessário ter um grupo submetido à dieta com transgênicos e um grupo de controle com dieta sem alimentos transgênicos.

O pesquisador relatou ainda casos de doenças agudas desenvolvidas por ovinos e bovinos que consumiam regularmente torta de algodão transgênico (Bt) na Índia. Citou caso na Alemanha onde bovinos de uma propriedade que tinha abandonado o sistema orgânico foram alimentados com milho Bt e desenvolveram doenças. Ressaltou que não há comprovação científica de que a doenças citadas estejam ligadas aos transgênicos, mas que os casos geram fortes suspeitas.

A pesquisa que se inicia agora no Brasil objetiva também coletar amostras de plantas de milho Bt para verificar a quantidade de proteína Bt em diferentes partes da planta e em diferentes locais de cultivo. Também está previsto amostrar grupos selecionados de animais domésticos (animais “de granja”) e, populações humanas selecionadas para verificar a presença de anticorpos contra a proteína Bt.

No outono de 2010 será feita a análise do sangue de jovens noruegueses que viajaram para o exterior, o que poderá ter-lhes causado exposição à toxina Bt. Na seqüência, serão analisados o sangue de noruegueses com mais de 65 anos e que não foram expostos à referida toxina, já que o milho Bt não está autorizado para cultivo ou consumo na Noruega.

A partir das diversas questões e considerações provenientes da plateia, o Dr. Terje Traavik comentou que um grande número de cientistas tem uma concepção equivocada sobre a degradação do DNA no corpo dos animais. Trata-se da afirmação de que o DNA é totalmente quebrado no intestino dos animais. Ao contrário da posição majoritária, existe comprovação de que certa quantidade do DNA se mantém intacta no trato gastrointestinal e acaba absorvida pelas células do intestino, chegando até a corrente sanguínea onde é finalmente o DNA é quebrado. Existem dados que indicam que o DNA transgênico permanece mais tempo no sistema sanguíneo que o não-transgênico.

O Dr. Traavik também concordou com a sugestão de um representante da Superintendência do Ministério da Agricultura em SC, de que se procure realizar estudo semelhante com suínos, já que o estado vai colher uma grande safra de milho transgênico e grande parte das agroindústrias de SC vão utilizar ração de milho modificado geneticamente.

O Professor Dr. Rubens Nodari/UFSC, que está co-participando do projeto, aproveitou para lembrar que as sementes transgênicas estão dominando completamente o mercado estadunidense: das últimas 277 cultivares de soja liberadas para plantio nos EUA somente uma é convencional. Diante do dado, o Dr. Traavik observou que os agricultores estão perdendo totalmente a possibilidade de escolha em função do domínio da tecnologia por parte das grandes corporações de sementes.

Finalizando sua apresentação o Dr. Traavik ressaltou que “quem desenvolve um produto não tem como analisar adequadamente seus problemas até porque está imerso nas vantagens da tecnologia que desenvolveu.” É o que ocorre atualmente com as grandes corporações que dominam a tecnologia da transgenia: elas geram a tecnologia, e elas mesmas apresentam as análise de risco para os governos de diversos países, que as utilizam como referência para autorizar o cultivo em seu solo. É fundamental que se tenha uma ciência independente -- pesquisadores independentes que possam analisar, de forma imparcial e custeados pela sociedade (governo), os possíveis efeitos negativos que a tecnologia possa produzir.


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