segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Agrotóxicos ligados a suicídios de agricultores em MS


Folha de São Paulo, 17/07/2010

Agricultores de Fátima do Sul apresentam náuseas, depressão e cometem
suicídio após usarem inseticidas

A tristeza aparente aponta que é dia de velório. O cheiro, que
atravessa os cômodos, faz parentes e curiosos saírem para o quintal. O
odor expõe o motivo daquela morte: Mauro de Souza Lucas cometeu
suicídio com veneno da lavoura de algodão.

A cena, na zona rural do município de Fátima do Sul (MS), seria um
caso isolado se o cheiro não fizesse parte de outros velórios ali.

Lucas havia brigado com um irmão em uma festa de fim de ano e, de
volta para casa, foi direto para o quarto dos agrotóxicos. Escolheu um
dos mais fortes e bebeu.

"Um vizinho levou-o para o hospital, ele acabou de morrer lá", diz
Antônia de Souza Lucas, 64, "uns 14" filhos. "Era veneno brabo, não
lembro o nome, mas era veneno de algodão, fedido."

O episódio ocorreu há quase dez anos, mas o cheiro do velório ainda
não saiu do nariz de Antônia. Mauro tinha 26 anos quando morreu. Ela
não sabe por que o filho se matou. "Era uma nervosia, muita raiva, ele
pôs na cabeça e se matou logo."

Falta de proteção

Fátima do Sul, cidade de 18 mil habitantes a 242 km de Campo Grande,
foi criada em 1943 no governo Getúlio Vargas como polo agrícola.
Predominam os sítios de três a dez hectares de imigrantes nordestinos.
Ali, fala-se dos nomes de agrotóxicos com intimidade: Barrage,
Folidol, Azodrin, Tamaron, 2,4D e 3,10.
A maioria desses produtos pertence à família dos inseticidas
organofosforados, derivados do ácido fosfórico, e são usados para
combater pragas em culturas diversas.

O contato com eles alterou o conceito de saúde dos agricultores. Quase
todos se referem a dor de cabeça, náusea e coceiras, além do cheiro
inconfundível. Fora os casos de intoxicação aguda em que os sintomas
mais graves surgem logo após a exposição.

Muitos lavradores não têm, não usam ou não sabem usar corretamente os
equipamentos de proteção, como máscaras e macacão, nem têm orientação
sobre como armazená-lo ou se desinfetar após aplicar o veneno.

Depressão

Assim como as náuseas, sintomas de depressão tomam conta das conversas
nos sítios. Antônia lembra que o filho começou a ficar "esquisito"
antes de morrer.

Para Dario Xavier Pires, químico e pesquisador da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS) que há uma década estuda os casos de
suicídio no município, os sintomas são evidentes no contato com
produtores e nas conversas informais com profissionais da saúde
locais.

A psiquiatra paulista Jussinalva Aguiar explica que "normalmente os
casos de suicídio estão ligados a quadros depressivos" que passam
despercebidos na rotina do trabalhador rural. Segundo Jussinalva, o
tipo de agrotóxico usado no algodão inibe a enzima acetil-colinesteras
e, causando acúmulo do neurotransmissor acetilcolina e a consequente
superestimulaçã o das terminações nervosas. "A intoxicação por
agrotóxico causa variações qualitativas e quantitativas nas sinapses,
que agem na alteração do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos
como manias e agitação."

Em 2004 e 2005, um grupo de pesquisadores da UFMS -entre eles Pires-
fez um levantamento sobre os estados depressivos e os níveis da enzima
colinesterase em 261 agricultores expostos a organofosforados no
município. Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso de
agrotóxicos, e 30 apresentaram distúrbios psiquiátricos menores (DPM).
Três tentaram o suicídio.

Ranking
Em números absolutos, Mato Grosso do Sul ocupava, em 2002 (último ano
disponível), o quarto lugar em suicídios de homens e o segundo de
mulheres no Brasil. (...)

O segundo lugar é de Fátima do Sul. Depois de Mauro, outros dois
filhos de Antônia, Jonas e Luiz, também se mataram em um ano. Uma
terceira, Cecília, tentou. Levantamento da Associação Nacional de
Defesa Vegetal (Andef) para a consultoria alemã Kleffman Group aponta
o Brasil como o país que mais consome agrotóxicos.

Em 2008, foram gastos U$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões dos EUA, em
segundo.

O Serviço de Informações Tóxico-Farmacoló gicas do Ministério da Saúde
registrou, em 2007, 112,4 mil casos de intoxicação. Estima-se que haja
subnotificação.

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